A Rota da Castanha | ||||
Por Paulo Dias (Professor), em 2016/11/09 | 1457 leram | 0 comentários | 185 gostam | |||
No pardacento dia 22 de Outubro, aconteceu a narrativa, para a qual vos convido! | ||||
O céu vestiu-se de burel escuro e não pediu licença aos caminheiros pelo seu desencanto. Dele irrompiam lágrimas, somente coadas pelos solos ressequidos do pretérito estio. E neste desconsolo celeste, os “mexidinhos” da ESHM deslocaram-se a Vinhais, terra bordejada pela Serra da Coroa. O destino era o Parque Biológico, integrado no Parque Natural de Montesinho, fazer aí uma caminhada e ir à festa – “Xl Rural Castanea”. Lembro a hipnose ocular provocada pela neblina e eu, sem franzir o sobreolho ou morder o lábio, adormecera no autocarro, despertando de tal letargia depois de passar a veiga de Chaves. Dei conta que cruzara a falha de Régua-Vérin e a prof. Salomé urdia, de súbito, um comentário em Lebução – “Esta é a terra do Ernesto!”. A Dª Olívia, cunhada do visado, não desmentira e assentira tal dizer. Enquanto, me restabelecia do angélico sono, um esgar de preguiça tomava conta de mim! Percebi ao esbracejar de modo oculto, que alguém chamava pelo prof. Domingos. Era uma conviva enjoada com as curvas da estrada. “Venha para a frente”, retorquia ele! “Trrim, Trrim” tocava o meu telemóvel! Quem seria? Do outro lado, a prof. F. Vilarinho e o marido comunicavam-me a precoce chegada a Vinhais. O casal tinha ido por Espanha, evitando a topografia sinuosa que o nosso motorista escolhera. No entanto, esta rota permitiu-nos avistar, muitos liquidâmbares, ruborizando a paisagem de folhas mortas, caídas ou esvoaçadas pela brisa fresca. Chegamos por volta das 11h ao Parque Biológico e fomos acolhidos pelo Ricardo e por uma guia. O espaço era magnífico e à entrada, viam-se bungalows e pod´s, bem como uma piscina biológica, onde se podia nadar com duas queridas amigas – a “Leonor” e a “Margarida”. Eram cobras de água que nos poderiam tocar, ou quiçá, tocarmos nas epidermes destas banhistas. Tratava-se de uma experiência ofídica única, balbuciava eu, desconfiado de tal hidroterapia. Iniciada a visita, observou-se uma tartaruga amarela, uma águia de asa redonda, dois mochos e o símbolo do parque, duas charrelas. Num canto, e sobre terra, estava um ouriço-cacheiro, de picos eriçados, pronto-socorro aos perigos experienciados. Do outro lado, uma cegonha branca caminhava elegantemente, estranhando a nossa espécie. Entretanto, reparei que um teimoso gato nos seguia desde a entrada do parque, talvez fosse o cicerone nomeado pelos bichos! Mais à frente, viam-se vacas mirandesas, a ruminar palha apetitosa e do lado oposto, ovelhas merinas e cabras negras chocalhavam sininhos pescoceais. Num instante, acontecera a maior surpresa! Vimos javalis em grupo, o maior esgravatava o chão, enquanto os mais pequenos davam turras, brincando de forma despreocupada. A guia do parque dizia-nos que a sua população tinha aumentado, com o desaparecimento do lobo. Esta última espécie tem sido injustamente culpada pela morte de ovelhas, mas infelizmente é mais corrente, a morte provocada por matilhas de cães abandonados por caçadores na serra. Seria preciso formar agricultores e caçadores para afastar a perseguição ao “lobo mau”. A seguir, avistaram-se corças arrebanhadas, uma vez que um macho tem várias fêmeas e nenhuma delas tem ciúmes em partilhar o mesmo macho. Na natureza não há adultério ou traição, há competência e virilidade! E a um dado momento, sentiu-se um cheiro fétido de uma manhosa raposa que nos espreitava e exalava aquele odor para se defender de potenciais predadores. Finda a visita aos bichos, fomos ao centro micológico. Boquiaberto, vi a “Amanita Phalloides”, alucinogénio confundido com cogumelos comestíveis. Reparei no “Shiitake”, um cogumelo apreciado pelos nipónicos e na rubra “amanita muscaris”, fungo letal, tão requerido pelos noruegueses para repelir moscas. E a propósito destes insectos, a guia dissertou da sua importância para o planeta. Sem elas, a Terra transformava-se num caixote de lixo porque estas decompõem a matéria orgânica. Fiquei convencido mas, não as queria por perto a provocar coceira. Viu-se ainda um cortiço e agora, a guia dissertou sobre abelhas, pois sem elas, não haveria polinização e sem esta, não existiriam plantas, e sem plantas não existiriam animais e por fim, não existiríamos nós! Terminada a visita ao parque, o Ricardo guiou-nos na caminhada até ao alto da Ciradelha. Cruzamos áreas de pinheiros, cedros e pseudotsugas e por caminhos barrentos, passamos urzais e giestais! Porém, a hora adiantada não travava a lentidão do grupo, nem a barriga que pedia alimento. Para opor à tendência do relógio biológico, eu e o Prof. Rafael íamos colhendo o que a natureza nos fazia cobiçar. Alguns “mexidinhos” colheram castanha, pois os soutos estavam prenhes deste fruto seco. Aqui e ali, provávamos medronhos, pilritos, figos de mel e mais à frente, as nozes caídas de uma velha nogueira. Apreciou-se ainda ameixa selvagem e uvas de uma latada! Nalgumas casas, os cães ladravam com acrimónia e viam-se abóboras porqueiras prontas para o manjar suíno. Numa aldeia local, o Prof. Américo empaleava com uma pastora, cujo barrete encabeçado era o de um lobo. A senhora de vara na mão, acompanhada por perdigueiros, tomava conta das rezes e aparentava ser feliz! Lá ao fundo, na encosta, vinha a Dª Graça que fechava o pelotão dos arrastões, parecia ter sempre uma pedrinha no sapato. Quanto aos “Speeds”, estes já tinham chegado à festa da castanha e no grupo dianteiro ia a prof. Licínia que tinha pé leve e batia sem dó todo o terreno. O Sr. António, de peculiar bigode, também era leve, mas as mulheres que o acompanhavam, não lhe davam hipótese de pôr a caixa de velocidades a funcionar bem. Era um Ferrari à velocidade de um “mata-velhos”! Claro que ainda existiam os fotógrafos de natureza, que paravam em todo o lugar, porque a terra foçada por um javali ou os dejetos azeitonados davam o mote para uma fotografia artística! Também admiravam a geologia in situ, desde dobras bem reconhecidas, às opalas incrustadas em fragmentos de rocha. Mas, os olhos também se quedavam nas vertentes da serra, nos lameiros, casas de campo e riachos, cuja água escorregava pedra sobre pedra até abraçar o vale do Tuela. Finalmente, todo o grupo atingia o seu objetivo e chegava a Vinhais. Descortinava-se agora, o seu castelo altaneiro, como se este levantasse um chapéu, dando-nos a boa tarde. Os caminheiros espalharam-se pelas tendas porque não faltavam guarnições apetecíveis. Um pequeno grupo ficara no “Académico” e eu integrei-me aí! Hesitante na escolha do prato, acabei por pedir javali com castanha assada. As prof.s Isilda, Ana Pinto e Conceição, optaram pela alheira, perdoem-me a inconfidencialidade, mas acreditem, elas comeram mesmo bem. A terminar o repasto, serviu-se pudim de castanha, que nos parecera uma boa decisão. No fim da refeição, tinha chegado o “momento zen” das senhoras, imagine-se o que elas queriam? É óbvio meu caro leitor, queriam fazer compras! Num balcão de compotas biológicas, a prof. Conceição, doceira profissional de clarinhas de Fão, provara todas as amostras e por isso, serviu-nos de farol, iluminando os perdidos como eu, na treva da glicose. Acabei por comprar compotas de mirtilo e fisalis, mas a nossa doceira, penso que teria esgotado o stock do vendedor. Entretanto, acabei por me cruzar com o Sr. Manuel, e com ele, degustei uma jeropiga. Mesmo ao lado, vi o maior assador de castanhas do mundo e por baixo dele, estava a inflamável carqueja. Feito o fogo e espalhadas as castanhas, o fumo dissipava-se na atmosfera. E como a hora avançava, o recolhimento ao autocarro fora inevitável. Senti a alegria nos rostos e percebi como tal rota fora saudável enquanto os “mexidinhos” já questionavam, onde seria a próxima caminhada?! | ||||
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