SEXUALIDADE INSTITUCIONAL | |
Por Carlos Frazão (Professor), em 2015/12/02 | 617 leram | 0 comentários | 187 gostam |
Reflexão crítica sobre o "Projecto de Educação Sexual em Meio Escolar". | |
Os positivistas lógicos substituíram a pergunta Kantiana “O que posso saber?” pelo “O que posso dizer?”. A vantagem aqui é reconhecer que o “dizer” tem sempre uma história, uma certa história, uma arqueologia, diz Foucault. Os discursos integram-se numa determinada “episteme”, o que significa que a ordem do discurso corresponde à ordem do saber e do poder, que as suas funcionalidades articulam-se e produzem o pensamento e as práticas num corpo coerente de intenções e experiências culturais e sociais. As possibilidades da sexualidade se tornar discurso, um discurso urgente e necessário como nunca, exige que a ela se associe a ideia de um passado de repressão - a “hipótese repressiva”, como designa Foucault - e a ideia de um futuro de libertação. Mas essa leitura do passado é apenas uma interpretação, que legitima qualquer outra, como a que quer ver nessa repressão uma face de ilusão. De facto, é interessante acompanhar o filósofo francês na formulação das vantagens que a sociedade actual pode recolher na insistência de afirmações que apontam para uma sexualidade reprimida no passado, configurada à reprodução e ao modelo tradicional da família. Tudo o que é exterior a esta “normalidade” é conduzido para o plano da repressão ou do silêncio. Se esse foi o cenário, é agora o momento da crença da libertação, da revolução, do reconhecimento das virtualidades da socialização do prazer. Tornou-se uma questão cívica a educação sexual – em paralelo com a educação para uma boa alimentação, para o exercício físico, para a aparência, para a saúde. A transgressão desse passado abre as vias ao que se pensa ser uma sexualidade realizada e feliz. Colectiva e individualmente pode-se analisar “o que está mal”, pode-se mercantilizar a relação entre o especialista – os psi, os sexólogos, mais especialistas ainda – e aquele ou aqueles que “sofrem”, esses que não são capazes de acompanhar este movimento de libertação e estão prontos para a confissão que, eventualmente, pode revelar uma intimidade perturbada mas susceptível de cura. São estes alguns dos pressupostos essenciais que alimentam as linhas definidoras de uma moralidade aceitável e politicamente útil aos dispositivos do poder e da manipulação. Foucault não nega a repressão sexual, ela existe, sempre existiu, e as tentativas de transgressão podem apenas ser outras formas, até mais eficazes, de controlar a sexualidade. Aqui reside o mais interessante na desmitificação desta ilusão contemporânea. A sexualidade é um produto social e para funcionar deve ser enquadrado em processos de categorização, normalização e representação simbólica. Neste âmbito de cognição social, o dispositivo de eficácia dos mecanismos que envolvem a sexualidade exige a sua apropriação pelo discurso que esclarece, que aconselha, que prescreve, que ensina, que institucionaliza. Contar e ouvir, confessar e escutar a confissão, saber, saber de um determinado modo, saber para exercer as funcionalidades do poder. Educar a sexualidade para enquadrá-la na ordem da legitimidade dominante. Nenhum projecto é inocente. O que aqui está em causa é a obsessão por trazer ao discurso, à ordem dos significados, a explanação do que pode escapar e não deve à produção social e política da funcionalidade da sexualidade. Não é outro o objectivo da “Educação Sexual em Meio Escolar”. | |
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