A ESCOLA E AS NOVAS CAUSAS | |
Por Medialetra (Professor), em 2015/01/17 | 685 leram | 0 comentários | 173 gostam |
Agora que começa a assentar a poeira criada pelas ondas de choque do hediondo atentado de Paris, cabe deixar aqui uma breve e despretensiosa posição que a escola deve adotar face aos recentes acontecimentos. | |
Enquanto responsável temporário por esta instituição, claro que estarei sempre atento aos ecos, mais ou menos ruidosos, que estes acontecimentos sempre repercutem no ambiente escolar. Precisamente porque se trata de uma escola, mais hercúlea se torna a tarefa de não tomar este ou aquele partido, de evitar o máximo denominador comum dos comentários que alastram pelas redes sociais ou, ainda, não optar pela posição da avestruz, fazendo de conta que nada daquilo nos diz respeito, que o nosso país está a salvo de tais horrores. Porque nos orgulhamos de defender e cultivar uma escola inclusiva, multicultural e tolerante, a reação imediata perante os factos foi a de não reagir de forma grotesca ou atabalhoada, antes condenar o ato em si, independentemente dos argumentos que sustentem uma e outra das partes em confronto. Mais do que insistir no que não fazer, à escola bastará dizer o que fazer, dar pistas para encarar os desafios, privilegiar objetivos: Por isso respeitamos valores, fomentamos a cidadania e perseguimos a utopia. Parece-me que aqui está o essencial deste nó górdio que a sociedade atual não consegue desatar: em vez das causas para esta decadência, a sociedade atual deverá, antes, questionar as razões que conduziram à decadência de múltiplas causas. A sociedade não pode estar surpresa quando prometeu utopias e só garante distopias; assegura alguma cidadania formal, mas é escassa no que concerne ao pleno exercício de uma cidadania substantiva; proclama os direitos humanos, mas justifica-se com escassez de meios para os assegurar; anuncia a igualdade, mas isso quase nunca tem correspondência na justiça. Eis, pois, em suma, o desafio da escola: Mais do que estabelecer quem tem razão, importa discutir a razão; mais do reagir, importa estudar; mais do que selecionar a verdade, impõe-se interiorizar a verdade; mais do que hierarquizar culturas, devemos sensibilizar os nossos jovens para o universalismo da cultura; mais do que impor a nossa crença, é forçoso que respeitemos a crença alheia. Que de todos estes acontecimentos se faça um “Case study”, isso cabe aos decisores políticos, que deverão igualmente refletir sobre o papel que lhes cabe em todo este estado de coisas; a escola persistirá no seu caminho profilático, preparando as futuras gerações de dirigentes, através do estudo, da reflexão e da apropriação desse bem precioso que são os valores humanos. Desde o século XVIII que a Revolução Francesa consagrou aquilo que seria o bastante para uma sociedade justa, tolerante, equilibrada. Continua a ter razão o poeta ao afirmar que “já todas as palavras foram ditas para salvar o mundo; falta apenas salvá-lo”. Porque a construção do futuro passa pelas novas gerações, vamos apetrechá-las com ferramentas adequadas às novas edificações; porque as utopias falharam, vamos ajudá-las a descobrir novos “topoe” de idealismos; porque as palavras parecem esvaziadas de conteúdo sémico, que a escola dê o seu precioso contributo para a reinvenção dos valores. Porque de uma escola falamos, será esta milenar instituição quem virá reavivar as consciências, evitando que o essencial caia no baú do esquecimento, cumprindo o desígnio de André Gide: “Todas as coisas já foram ditas, mas como ninguém escuta é preciso sempre dizer de novo”. Se a escola cumprir com o que dela se espera e o seus alunos beberem toda a seiva que dela brote, pode ser que num futuro, mais ou menos próximo, os nossos jovens passem a adotar como lema palavras como esta “finda” do poema de António Sousa, Canção da Felicidade: ... Felicidade! ... Afinal, fôssemos nós naturais e limpos de todo o mal, não era preciso mais!... Simão Cadete Director da Escola | |
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