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UM VELHO MENDIGO
Por Paula Costa (Professora), em 2016/11/07636 leram | 0 comentários | 140 gostam
Estava uma tarde cinzenta de outono. As nuvens carregadas recusavam-se a molhar as pessoas desprevenidas que se atropelavam pelas ruas agitadas.
O cheiro intenso a castanhas assadas misturava-se com o leve odor dos cafés e pastelarias, que desmontavam as esplanadas com receio do tempo. Os candeeiros que se começavam a acender iluminavam aos poucos as ruas carregadas de gente.
 A chuva começava a aparecer devagar. Apercebi-me logo de que não ia ser passageira e, como me tinha esquecido do guarda-chuva no escritório, apressei-me a abrigar-me na estação do metro que parecia ser o único sítio seco para me refugiar. O metro enchia de pessoas que tentavam chegar a casa e eu, mesmo sabendo que provavelmente aquela chuva ia durar até à manhã do dia seguinte, sentei-me num dos poucos bancos desocupados da estação. Tinha um livro na pasta, mas não me apetecia ler, só pensava em chegar a casa e comer o jantar maravilhoso que a minha mulher preparava.
De repente, ao olhar para um canto vazio da estação, dei atenção a um velho mendigo que acariciava um cão rafeiro. O bicho parecia doente, frágil, cego, tal como o dono. O homem usava uma camisa velha e descorada quase sem botões e estava coberto por uma manta castanha manchada. Era pálido e magro, tinha um ar sujo e maltratado, como se fosse um prisioneiro de um campo de concentração. Tinha pousado no chão um copo de plástico e um cartaz de cartão roído com uma foto de duas meninas pálidas. Nunca tinha visto tal pobreza.
Dirigi-me ao pobre idoso, peguei na carteira e, emocionado, despejei umas quatro moedas que lhe decidiam a vida e a morte. Ele ergueu a cabeça e sorriu para mim. Apetecia-me fazer algo, dizer alguma coisa que o confortasse, um pequeno gesto…
Mas nisto a chuva torrencial parava, como se por milagre, e eu tive de deixar o velho. O cão uivava mais quanto mais eu me afastava. O homem tentava acalmá-lo, passando-lhe a mão pelo pelo e dizendo-lhe coisas que eu não percebia, talvez por já estar muito longe.
Lembrei-me da minha mulher e dos meus filhos que esperavam por mim para jantar, peguei nas minhas coisas e subi as escadas agitadas. O velho mendigo voltou a cobrir-se de gente que se afastava dele como se fosse um leproso esquecido numa fossa. Só lhe restava a esperança de sobreviver.

António Freitas, 9ºB


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