ÓCULOS QUE ESCONDEM | |
Por Paula Costa (Professora), em 2019/02/20 | 629 leram | 0 comentários | 177 gostam |
Passa por mim cabisbaixa, os olhos fixam o cimento do passeio enquanto caminha apressadamente. Os óculos escuros tapam-lhe metade da face. Quase que desvio o olhar. Mas não o faço. Ela prendeu a minha atenção. | |
Vê-se uma mancha negra abaixo do olho direito. Outra no queixo. Sinto que está a fugir de alguém pois os seus passos são rápidos. Decisivos. Não consigo sentir o seu sofrimento. Mas consigo imaginá-lo. Sinto a minha cabeça à roda só de pensar. Ela estava imensamente feliz. Tinha tirado o dia de folga e ia ter finalmente o dia só para si. O marido tinha saído para o trabalho cedo e só voltaria mais tarde, provavelmente depois de encontrar a sua amiga. Ela levou o filho à escola. Voltou para casa, disposta a trabalhar no seu lindo jardim. Mais tarde abriu uma garrafa de vinho e espreguiçou-se na varanda a apreciar o pôr-do-sol. Aquele pôr-do-sol que lhe mete tanto horror, pois sabe que ele chega sempre logo a seguir, com uma garrafa de whisky na mão. Arrepio-me e sinto a minha comida a baloiçar no estômago. Ele chega a casa, e sem desculpa alguma, volta a fazê-lo. Mais uma nódoa negra no seu corpo. Ele pede desculpas e implora-lhe de joelhos. Ela cede. Outra vez. E assim o ciclo vicioso continua. Paro os meus pensamentos e volto a olhar a mulher com o mais puro olhar de pena. Sinto raiva de quem a magoou e sinto nojo de alguns homens na nossa sociedade. Mas sobretudo sinto-me feliz ao saber que ainda existem algumas mulheres corajosas. Ela finalmente para. Está nervosa, consigo senti-lo. Mas nada a impede. Dá mais um passo e entra na esquadra da polícia. lUANA sÁTIA, 9º e | |
Comentários | |