O Passeio de Sto António | |
Por Eleutério Gouveia Sousa (Leitor do Jornal), em 2024/02/24 | 169 leram | 0 comentários | 75 gostam |
Escritores magníficos os portugueses... | |
Augusto Gil O Passeio de Santo António "Saíra Sto. António do convento a dar o seu passeio costumado, e a repetir num tom pesado e lento um cândido sermão sobre o pecado. Andando, andando sempre, repetia o divino sermão, piedoso e brando, e nem notou que a tarde esmorecia, que vinha a noite plácida baixando. E andando, andando, viu-se num outeiro com árvores e casas espalhadas, que ficava distante do mosteiro uma légua das fartas, das puxadas. Surpreendido por se ver tão longe, e fraco por haver andado tanto, sentou-se a descansar o bom do monge com a resignação de quem é santo. O luar, um luar claríssimo, nasceu: num raio dessa linda claridade, o Menino Jesus baixou do céu, pôs-se a brincar com o capuz do frade. Perto uma bica d’água soluçante juntava o seu murmúrio ao dos pinhais; os rouxinóis ouviam-se distante; o luar mais alto iluminava mais. De braço dado para a fonte vinha um par de noivos, todo satisfeito: ela trazia ao ombro a cantarinha; ele trazia o coração no peito… Sem suspeitarem de que alguém ouvisse trocaram beijos ao luar tranquilo… o Menino, porém, ouviu e disse: — oh! Frei António, o que foi aquilo? O Santo, erguendo a manga do burel para tapar o noivo e a namorada, mentiu numa voz doce como o mel: — não sei que fosse… eu cá não ouvi nada. Uma risada límpida, sonora, vibrou com timbres d’oiro no caminho. — ouviste, Frei António? Ouviste agora? — ouvi, Senhor, ouvi; é um passarinho. - Tu não estás com a cabeça boa; um passarinho e a cantar assim? E o pobre Santo António de Lisboa calou-se embaraçado. Mas por fim corado como as vestes dos cardeais, achou esta saída redentora: — Se o Menino Jesus pergunta mais queixo-me a sua Mãe, Nossa Senhora. Voltando-lhe a carinha contra a luz, e contra aquele amor sem casamento pegou-lhe ao colo e acrescentou: — Jesus são horas. E abalaram para o convento." in Augusto Gil, Luar de Agosto, 1909. | |
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