O ARAUTO DO VALE
Jornal do Médio Vale do Paranapanema
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Confissão ou consulta de psiquiatria?
Por Eleutério Gouveia Sousa (Leitor do Jornal), em 2023/02/0481 leram | 0 comentários | 83 gostam
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Senso & Consenso

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023
AINDA CONFISSÕES E CONFESSIONÁRIOS (2) – A QUEM SE CONFESSA PUTIN?.
                                                                        



    Além da motivação primeira que originou os considerandos ontem formulados (a citação da historiadora Raquel no programa “O Último Apaga a Luz”) juntou-se o anúncio de 150 confessionários no titulado “Parque do Perdão” a instalar no âmbito das JMJ – Jornadas Mundiais da Juventude, decisão que respeito, embora com voto de ‘Vencido’.

         Na sequência das reflexões ontem produzidas – todas de ordem ético-jurídica e de direito natural – hoje tentarei entrar no Santa Sanctorum, no Santuário ou na essência da Religião Revelada, sabendo-se que esta é a que nos legaram os textos bíblicos, em oposição à religião sobreposta, também chamada canónica, metamorfoseada pelo Magistério das Igrejas.

         Toda a vida do Líder do movimento ético-sacro-social de Jesus de Nazaré foi pautada pela transparência saudável, sem dobras nem peias, fosse entre pessoas, fosse entre instituições. As formas instrumentais da religião – rituais, mímica, incensos, velas, promessas pias e promessas vãs, culto salomónico – tudo isso fica a léguas de distância e de nada vale ante a transparência e a franqueza de um coração sincero. Até mesmo os normativos da lei moisaica caem por terra quando se lhes interpõe um valor maior, o da lealdade, ou uma lógica mais intensa, o do serviço ao próximo: Não é o Homem que está ao serviço do Sábado, mas o contrário, é o Sábado que está ao serviço do Homem (Marcos 2, 23-28 ). Traduzindo: Não é o Homem que está ao serviço da Religião, mas a Religião ao serviço do Homem. E foi por esta lógica e por este Evangelho que os magnatas da Sinagoga, sumos-sacerdotes, escribas, fariseus não descansaram enquanto não O assassinaram!

         Feita esta longa, mas necessária, introdução, voltemos à questão inicial: Perdão, onde moras?... E quem é aquele que tem o poder-direito de perdoar?... Qual o preço desse perdão?... Ou, apropriando-nos da nomenclatura da JMJ, ousamos perguntar: Onde é que fica situado o tal ‘Parque do Perdão’?...

         Tentando aproximar-me da metodologia propedêutica de Jesus, o Super-Mestre da História, reduzirei à extrema simplicidade a sua geografia do Perdão, na sequência dos cinco marcos descritos no anterior blog:

         Sexto: Onde mora o Perdão?... Leiamos Mateus, capítulo V:

Se fores ao altar do Templo para oferecer uma dádiva ao Senhor e aí te lembrares que o teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa aí a tua oferta diante do altar, vai lá fora reconciliar-te primeiro com o teu irmão e, só depois disso, volta a entrar no Templo para que a tua oferta seja aceite pelo Senhor. (Mt.20, 23-24)

         Primeiras conclusões: Onde não mora o Perdão? – Dentro da igreja, com ou sem paredes, muito menos numa parcela da igreja, o confessionário. Onde, então, morará o Perdão? – Fora da igreja, diremos, no local do crime e, sobretudo, no encontro mútuo entre os dois polos beligerantes. Sem procuradores, sem advogados, sem ‘juízes de fora’, alheios ao conflito. Sai da igreja,- ensinou o Mestre - vai reconciliar-te com alguém que está lá fora. E o processo gerador do Perdão, de quem depende e qual o preço?... Condição ‘sine qua non’ é a formulação directa e sincera do pedido do jnfractor (e, sendo caso, o ressarcimento), seguidos da receptividade do lesado. Esse será o Perdão Perfeito! Convenhamos que não é factura leve reconhecer o erro e a culpa, humilhar-se diante da vítima e pedir-lhe benevolência! Da parte da vítima, não será menos penoso reconverter os naturais impulsos de retaliação e olhar complacentemente a mão que a roubou, a boca que a caluniou, o coração que a atraiçoou. Há perdões que só se concedem misturados com lágrimas. Mas sempre face-a-face, os dois: na rua, na porta do vizinho, nas quatro paredes do quarto! É o Perdão que Jesus propõe, subscreve e aceita.

         Sétimo: E assim interpretaram os seus discípulos, os seus adeptos, desde a primeira hora. Entre eles, São Tiago, seu primo, primeiro bispo de Jerusalém, assassinado pelos ‘hierarcas-donos’ da Sinagoga. Eis como ele se dirige ao pequeno grupo de simpatizantes, residentes na cidade, crentes na Boa Nova que Jesus trouxera:

         Confessai os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros para serdes salvos. (Tiago, Carta, 5,16).

         Serão precisos mais dogmas, mais anátemas contra o preceituado por Jesus e por Tiago?... Os séculos, os milénios, o clero e o Papado não conseguirão nunca apagar o que está escrito: Confessai-vos uns aos outros. Podem estrangular - calar é que não!

Oitavo: Estou a ouvir crentes devotos contrapondo o exposto – e respeitosamente aceito, embora com voto de ‘Vencido’ – através de citações bíblicas, tais como em João Evangelista: Serão perdoados os pecados a quem os perdoardes (Jo. 20,23 ) Certo. No entanto, como compaginar esta citação (susceptível de várias interpretações) com a transparência clara, unívoca, das palavras de Jesus e de Tiago? Em que ficamos?... A clareza e a lógica não deixarão dúvidas a um intérprete de boa-fé.

         Nono: Mas se ainda subsistirem reticências duvidosas sobre a hermenêutica do texto, leiamos toda a Carta de Tiago de Jerusalém para descobrirmos o paralelismo perfeito com o pensamento de Jesus de Nazar, no tocante ao realismo da vida quotidiana com os padrões de virtude e santidade preconizados pelo Mestre. Veremos quanto a teologia enraíza e cresce ao ritmo da antropologia tal como intuiu o cientista-teólogo Teilhard de Chardin.

Não temos reflectido o suficiente sobre a permuta que a Igreja fez no ‘Pai-Nosso’. Nós rezamos Perdoai as nossas ofensas… Mas, no original, Jesus foi mais concreto: Perdoai as nossas dívidas… Com feito, toda a ofensa – agressão, roubo, calúnia – resulta sempre numa dívida contraída com alguém! Que exige reparação, restituição, ressarcimento. E ‘lá vem aquela frase batida’: A quem se confessa Putin?

         Décimo: Visto e provado que o Perdão é um ato-contrato bilateral entre agressor e agredido, entre devedor e credor, que lugar ocupa Deus neste binómio? À primeira vista, parece que nenhum, mas à profundidade, Deus ocupa o espaço todo. Porquê?

(Continua....)


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